Josué Teixeira/ Gazeta do Povo
Vale do Rio Cantu visto da Caverna de Palmital: espaço fechado para visitas e expectativas científicas aguçadasA caverna esquecida do Vale do Rio Cantu
Depois de seis décadas de “anonimato”, gruta na região de Palmital, no Centro do Paraná, atrai pesquisadores e se torna campo de estudos sobre a formação geológica do estado
No pico de um morro, bem no “coração” do Paraná. A primeira caverna de origem vulcânica em terras brasileiras de que se tem notícia fica no Vale do Rio Cantu, a 20 quilômetros de Palmital, no Centro do estado. A cavidade encontrada por acaso, há 67 anos, está sendo “redescoberta” pela ciência. O local apresenta indícios da passagem de lava resfriada. A novidade atraiu uma equipe de pesquisadores da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro), de Guarapuava; e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), de Florianópolis. Há pouco mais de um mês, nove pessoas estudam a caverna. Um desses pesquisadores é o estudante de Geografia da Unicentro, Geovane Ricardo Calixto, 20 anos. Foi ele quem percebeu que a caverna poderia ser de origem vulcânica. Calixto teve acesso a fotos do local pela internet, divulgadas pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Palmital. “Estima-se que a caverna tenha se formado há 120-130 milhões de anos, no mesmo derrame de lava que formou a Serra Geral, que atravessa toda a Região Sul”, explica.
O acadêmico, que já fazia parte de um grupo de estudos sobre cavidades naturais da Unicentro, orientado pela professora Gisele Pietrobelli, comunicou o fato aos demais pesquisadores. Numa visita ao local, em 20 de fevereiro deste ano, o núcleo constatou que se tratava de um “tubo de lava”. Um desmoronamento acabou formando um paredão, que tem, bem no meio, a abertura que leva à caverna.
Há uma câmara, na entrada da caverna, que vai se estreitando até virar uma ramificação de tubos bem menores, como se fossem os dedos da mão. Ao que tudo indica, a lava escorreu da parte maior para a parte menor. O local tem, também, “bancadas” laterais que marcam, na parede, a altura atingida pelo “rio de lava”. “Como a parte mais externa desse rio se solidifica, acabam se formando camadas que, soprepostas, parecem bancadas”, explica o vulcanólogo da UFSC Breno Leitão Waichel, que faz parte do grupo que estuda a caverna.
Área restrita
A visitação está proibida, devido aos riscos que o local oferece. O grupo que estuda a área também está providenciando laudos para verificar a possibilidade de desenvolver alguma atividade de turismo na área. O doutorando em Processos Geológicos e Geomorfológicos da UFSC, Wellington Barbosa, integrado à equipe, afirma que isso não será possível enquanto não forem feitos todos os estudos necessários. “Nós fizemos um convênio com a prefeitura de Palmital para que a área seja estudada, pelo menos por enquanto, só pela gente, para evitar uma excessiva concentração de pessoas”, salienta.
Até pouco tempo, a visitação não tinha controle, e a caverna acabou perdendo algumas de suas características originais. As estalagmites – formações que pendem do teto, por meio da dissolução do mineral que recobre as paredes – praticamente não existem mais. “Não se pode dizer que foi vandalismo. Sem saber direito do que se tratava, as pessoas foram arrancando por considerarem as pontas curiosas”, lamenta Waichel.
Onde Basílio Burei ainda caminha pelos matos
A “Casa de Pedra”, como é chamada a gruta de Palmital, poderia ser uma desconhecida se não fosse a persistência de alguns “mateiros” que caminhavam pelo Vale do Rio Cantu. Os de uma família em especial. Quase todas as terras próximas pertencem ou já pertenceram a alguém com o sobrenome Burei. Já foram 11 irmãos morando nessas propriedades, mas apenas um deles, Basílio Burei, continua vivendo no vale. Foi ele, inclusive, quem encontrou a caverna, há 67 anos, durante uma caça. O difícil é encontrar o veterano que, aos 86 anos, ainda se embrenha sozinho pelo mato.
“Eu mesmo me bato para acompanhar o tio Basílio nessas caminhadas”, conta Miguel Burei Sobrinho, secretário de Meio Ambiente de Palmital. Sobrinho explica que, mesmo antes da descoberta científica, a visitação à caverna, que fica dentro da propriedade de Basílio, já sofria restrições. “Quando o pessoal começou a visitar aqui, deixava sacolas, garrafas, pacotes de batata frita. Ele proibiu na hora”, conta.
Aventura
Para chegar ao local, que é de difícil acesso, o carro da Gazeta do Povo foi deixado à beira da Rodovia PR-456. Dali, a reportagem seguiu num ônibus com tração nas quatro rodas.
Poucos quilômetros adiante, é possível ver paredões recobertos por uma vegetação verde-clara e rasteira.
“O solo aqui é muito raso, com cerca de dois metros de espessura. Embaixo é pura rocha”, explica o estudante de Geografia da Unicentro Geovani Calixto.
O ônibus trepida muito. A maior parte da estrada foi feita nos morros. Da janela, veem-se os topos de um lado e, do outro, abismos, a poucos passos do veículo.
Chegando à beira da caverna, é preciso atravessar uma cerca de arame farpado. Na “boca” da cavidade, sente-se um ar mais seco. O piso é todo revestido por uma grossa camada de pó escura e fofa. “Parece terra, mas é esterco de gado ressecado. Esse lugar já foi usado para abrigar cabritos e, principalmente, vacas”, explica Geovane.
Inventário
A Secretaria de Meio Ambiente de Palmital inventaria a Casa de Pedra desde 2009. A finalidade é aprimorar os mecanismos de conservação das belezas naturais na cidade. “Eu frequento esse lugar desde os 4 anos de idade. Não tinha esse negócio de férias na cidade. A gente vinha era para cá”, lembra Miguel.
O homem que hoje defende a conservação das áreas naturais já viu o desmatamento bem de perto. “Minha família lidava com madeireira. Hoje, faço exatamente o contrário”.
Josué Teixeira/ Gazeta do Povo
Ampliar imagem O estudante Geovane Calixto, que abriu discussão sobre a caverna a partir de fotos na internet
“Pode haver mais grutas aqui...”
A Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) tem cerca de dez mil cavernas cadastradas, em todas as regiões do país. As mais comuns são as de arenito e calcário, de estrutura mais frágil. Já as de basalto, rocha cuja coloração escura fica visível nas paredes da Casa de Pedra, em Palmital, é bem mais resistente.O professor de Geotectônica da Universidade de Brasília (UnB), Mássimo Matteini, explica que os tubos de lava – característica da caverna de Palmital – são comuns em locais onde ocorrem vulcões basálticos, como nas ilhas do Havaí e nas Ilhas Galápagos – ambas no Oceano Pacífico – e nas Ilhas Canárias, no Atlântico.
O pesquisador acredita que, além da Casa de Pedra, outras cavernas semelhantes possam ser descobertas na Serra Geral. “Não há perigo nenhum de haver uma nova atividade de magma nessa região. Pelo menos nenhuma atividade associada ao mesmo processo vulcânico, dado que é muito antigo, com mais de 130 milhões de anos”, salienta.
O estudante Geovane Calixto, do UniCentro, tem a mesma suspeita: “Batendo com uma pedra no fundo dessa caverna a gente percebe um oco. Pode haver mais salões aqui embaixo”.